Um deserto de ideias para a educação
Hélio Laranjeira
8/8/20253 min read


O Brasil vive hoje uma seca intelectual na educação. Não falo da ausência de bons professores, tampouco da falta de recursos tecnológicos disponíveis — eles estão aí, muitas vezes subutilizados. Falo de algo mais grave: um vazio criativo nas políticas públicas, um deserto de ideias onde, em vez de propostas ousadas, florescem apenas retóricas murchas e medidas que não germinam em resultados.
Nos últimos anos, em pleno século XXI, a estratégia parece ser atacar o que poderia ser solução: a tecnologia, a Educação a Distância (EaD), a equidade digital e até a flexibilidade metodológica. A tática é simples e antiga: quando não se sabe construir, destrói-se. O problema é que, ao invés de substituir o que se critica por algo melhor, instala-se um vácuo — e no vácuo nada cresce, exceto o deserto.
Um país de grandes oportunidades e pequenas ações
É irônico: vivemos uma era de inteligência artificial, conectividade global e oportunidades educacionais inéditas, mas parecemos presos a uma mentalidade analógica e engessada. Enquanto o mundo fala em personalização da aprendizagem, metaverso educacional e competências digitais, aqui discutimos se o aluno pode ou não usar celular na escola. É como debater a cor do balde enquanto a água evapora.
O Novo Ensino Médio, por exemplo, nasceu com potencial de integração entre escola, mercado e vida real. Mas em vez de fortalecer itinerários formativos e profissionalização, a escolha foi por recuar, vetar avaliações e engessar ainda mais o currículo. Resultado? Um projeto que poderia ser um oásis tornou-se mais uma duna no deserto.
A corrupção da virtude
Se não bastasse o vazio criativo, há ainda o fenômeno que chamo de corrupção da virtude: quando ideias nobres são sequestradas e transformadas em slogans de marketing ou bandeiras políticas vazias. Inclusão, diversidade, equidade… tudo isso é importante, mas muitas vezes vira apenas vitrine para agendas que pouco ou nada mudam a vida real do estudante. É a virtude como commodity, o ideal como produto de prateleira.
Na prática, gastam-se milhões em projetos que não chegam à sala de aula, enquanto problemas estruturais — como evasão escolar, falta de professores qualificados e ausência de conexão entre ensino e mercado de trabalho — continuam intocados.
Se Paulo Freire estivesse no século XXI
Aqui vai a sátira necessária: se Paulo Freire vivesse hoje, não estaria pregando a volta à lousa de giz, mas sim liderando um movimento de alfabetização digital em escala nacional. Seria um revolucionário tecnológico, ensinando o “oprimido” a usar a nuvem, a programar, a criar startups educacionais e a pensar criticamente diante das fake news.
O método freiriano do século XXI incluiria IA generativa, plataformas adaptativas e comunidades virtuais de aprendizagem. Mas o Brasil insiste em tratá-lo como peça de museu, citando-o para justificar modelos pedagógicos que ele mesmo, provavelmente, consideraria ultrapassados.
Oásis existem — mas é preciso ir até eles
A boa notícia é que a tecnologia, quando usada com propósito e inteligência, pode ser o nosso oásis. É possível verticalizar o ensino, integrar educação técnica com superior, levar cursos profissionalizantes a comunidades remotas e usar dados para personalizar a jornada de cada estudante.
Mas para isso, precisamos trocar discursos por planos, e burocracia por execução. Não adianta plantar cactos esperando colher uvas.
Conclusão
O deserto de ideias na educação brasileira não é inevitável — ele é consequência. Consequência de lideranças que preferem preservar o status quo a correr riscos criativos. Consequência de um sistema que confunde tradição com imobilismo. E consequência de uma política educacional que finge estar no século XXI, mas ainda pensa como no século passado.
A saída? Criar, ousar, integrar. E, acima de tudo, ter coragem de transformar a escola em espaço vivo, conectado e relevante. Porque, do jeito que está, nem Paulo Freire com Wi-Fi salva.
