Muito barulho por nada — ou a insegurança jurídico-pedagógica da educação no Brasil
Hélio Laranjeira
7/11/20254 min read


O novo decreto sobre Educação a Distância (EaD), recém-publicado pelo Ministério da Educação, carrega o peso simbólico de uma tentativa de "colocar ordem" em um setor que cresceu de forma explosiva nas últimas duas décadas. No entanto, como bem pontuado por João Batista Oliveira, presidente do Instituto IDados, o texto mais parece uma peça de dramaturgia — dramática, repleta de vilões, promessas e indignações, mas vazia em sua capacidade de entregar soluções reais. Trata-se, portanto, de mais um ato da longa tragédia regulatória da educação brasileira: muito barulho por quase nada.
O problema não é o EaD. É o Brasil
A regulamentação do EaD não erra apenas na forma, mas fundamentalmente na lógica que a sustenta. Parte de uma visão homogênea de país, como se o Brasil fosse uma Bélgica tropical, ignorando que somos um país-continente com milhares de municípios sem acesso à educação superior presencial, com regiões remotas onde a única possibilidade real de formação está na internet.
A nova regra, ao proibir o EaD em cursos como Direito, Psicologia e Enfermagem, ignora evidências internacionais, desconsidera experiências exitosas no Reino Unido, EUA, Canadá e Austrália, e ignora os próprios dados internos. O Brasil falha — de novo — ao regular o "meio" ao invés de garantir o "fim". Não interessa se é presencial ou a distância: interessa se o aluno aprende.
A lógica é a mesma que se vê na implementação capenga do Novo Ensino Médio: um projeto que nasceu com ambição de transformar o ensino médio em algo mais conectado com a vida, com itinerários formativos, protagonismo juvenil e formação técnica integrada, mas que ficou pelo meio do caminho por falta de estrutura, de capacitação docente e de clareza de diretrizes operacionais.
Ambos os casos — o Novo Ensino Médio e o novo decreto do EaD — sofrem da mesma doença crônica: a insegurança jurídica e a ausência de governança educacional de longo prazo. A cada troca de ministro, de governo ou de comissão técnica, muda-se a bússola — e os estudantes pagam a conta.
O paradoxo do excesso de regra e a escassez de resultados
O decreto não apresenta nenhuma base empírica que justifique a proibição de cursos a distância. Pior: não há dados oficiais que demonstrem que os cursos EaD são, por natureza, inferiores aos presenciais. Há cursos ruins? Sim. Assim como há cursos presenciais que são um escárnio à educação. Mas legislar com base em exceções é perigoso, simplista e ineficaz.
Mais uma vez, o governo opta por um caminho cartorial ao invés de técnico. Não cria mecanismos de avaliação séria, nem agências acreditadoras independentes, nem parâmetros de resultados mensuráveis. Apenas adiciona camadas de exigência burocrática — como a obrigatoriedade de provas presenciais com peso elevado — que não resolvem o problema da aprendizagem, mas punem os mais pobres, que terão de se deslocar, arcar com custos e vencer obstáculos que a elite nunca precisou enfrentar.
Educação Técnica: um buraco ainda mais fundo
A incoerência se agrava quando olhamos para a formação técnica e profissional. O Brasil tem uma meta nacional (Meta 11 do Plano Nacional de Educação) de expandir a formação técnica no ensino médio, e ao mesmo tempo tolhe os caminhos possíveis com políticas públicas que não dialogam entre si. Como alcançar a meta, se o EaD — que poderia levar o técnico ao interior do Maranhão, do Piauí, do Acre, da Amazônia profunda — é bloqueado por portarias que centralizam, elitizam e burocratizam?
Na prática, o decreto caminha na contramão de tudo aquilo que o Brasil precisa: mais inclusão, mais equidade, mais flexibilidade, mais inteligência regulatória.
Um país que não aprende com o mundo
A exigência de “presença física” como sinônimo de qualidade é um anacronismo. Nos países sérios, o que importa são os resultados de aprendizagem e o suporte ao aluno. Modelos híbridos, blended learning, experiências de simulação remota e tutoria personalizada já são realidade nas melhores universidades do mundo.
E aqui? Criminaliza-se o formato, sem estruturar o conteúdo. Expulsa-se o EaD sem oferecer alternativa viável. E o mais grave: ignora-se a demanda crescente de jovens trabalhadores que precisam estudar à noite, em casa, nos fins de semana. O decreto transforma o acesso em um luxo, exclui em vez de incluir.
Conclusão: regular é garantir o direito de aprender — não o de impedir
É possível e necessário regular o ensino a distância. Mas isso se faz com transparência, avaliação por resultados, agências acreditadoras, incentivo à inovação e combate efetivo às instituições fraudulentas. Não com proibições genéricas, nem com decretos mal costurados que jogam o bom e o ruim no mesmo saco.
Assim como no Novo Ensino Médio, o que falta não é a ideia, é a execução com responsabilidade, com base em dados, ouvindo especialistas e compreendendo a complexidade do Brasil real. Chega de regulamentos performáticos. Chega de legislar para a manchete.
Regular é garantir que o aluno aprenda — não impedir que ele tente.
