Enquanto o mundo forma técnicos, o Brasil assiste da arquibancada.

Hélio Laranjeira

4/22/20258 min read

O Brasil praticamente não aproveita o potencial do ensino técnico-profissionalizante no nível médio. Apenas cerca de 9% dos alunos do ensino médio estão matriculados em cursos técnicos ou de qualificação, enquanto em países desenvolvidos esse percentual gira em torno de 40% . O resultado dessa baixa oferta/reforço técnico é visível: faltam profissionais qualificados em setores-chave, e milhões de jovens concluem o ensino médio sem nenhuma preparação prática para o trabalho. A comparação internacional evidencia um abismo educacional. Mesmo vizinhos latino-americanos, como Chile (29%) e Colômbia (24%), possuem proporções bem maiores de jovens no ensino técnico . Isso se reflete em gargalos no mercado: empresas têm dificuldade de contratar técnicos, e jovens sem formação técnica enfrentam desemprego ou subempregos. Há demanda e há oferta potencial de mão de obra – o que falta é conectar os jovens às formações técnicas. O Plano Nacional de Educação fixou meta de expandir a educação profissional, mas pouco se avançou. A rede de ensino técnico (institutos federais, escolas técnicas estaduais, Sistema S) ainda alcança uma fatia pequena dos estudantes. Em suma, continuamos empurrando a maioria dos jovens para uma formação geral que pouco dialoga com o mundo do trabalho, perpetuando o descompasso entre educação e desenvolvimento econômico.

“FIES Técnico” e polos locais de formação

Para fazer mais com menos, precisamos usar e expandir a capacidade já instalada em ensino técnico, com criatividade no financiamento. A criação de um FIES Técnico seria um passo transformador: um programa de financiamento/bolsas para cursos técnicos de nível médio (similares ao crédito educativo do ensino superior, porém adaptado à educação profissional). Muitos jovens não ingressam em cursos técnicos por falta de oferta local ou de recursos; um FIES Técnico subsidiaria matrículas em escolas do Sistema S (Senai, Senac, etc.) ou em institutos privados e comunitários, permitindo que o aluno curse técnico simultaneamente ao ensino médio ou logo após concluí-lo, pagando pouco ou nada. Isso aumenta instantaneamente o acesso, sem sobrecarregar os orçamentos educacionais estaduais. Paralelamente, desenvolver polos locais de formação em parceria com empreendedores locais: por exemplo, prefeituras podem ceder espaços ociosos (escolas vazias à noite, centros comunitários) para abrigar cursos técnicos rápidos (6 meses, 1 ano) ministrados em colaboração com empresas regionais. Empresas locais se beneficiam qualificando mão de obra e podem custear parte dos cursos (modelo de parceria público-privada). Dessa forma, interiorizamos a educação profissional, evitando que o jovem precise se deslocar grandes distâncias. A tecnologia novamente é aliada: cursos híbridos (parte online, parte prática presencial nos polos) ampliam alcance sem perder qualidade. Importante também é criar vias de convalidação: permitir que competências técnicas adquiridas em cursos livres ou no trabalho sejam certificadas formalmente (por exames, por exemplo), dando flexibilidade ao processo. Com essas iniciativas, poderemos multiplicar o número de técnicos formados praticamente sem construir um único prédio escolar novo, apenas otimizando recursos financeiros (via FIES Técnico) e infraestruturas existentes. O impacto esperado: mais jovens com diploma técnico, prontos para preencher vagas no mercado e até empreender, elevando a produtividade do país. Vale lembrar que quem tem formação técnica tende a ganhar salários ~32% maiores que quem cursou só o ensino médio regular – um indicador claro de ganho social e econômico.

Formação docente defasada

Nenhuma reforma vinga sem o professor. No entanto, nossos educadores sofrem com uma formação inicial e continuada aquém do necessário para os desafios atuais. Muitos docentes foram formados há décadas, sob paradigmas tradicionais, e não tiveram oportunidades de atualização. Os dados confirmam: em 2023, menos da metade (41,7%) dos professores da educação básica fizeram algum curso de formação continuada recente . Ou seja, a maioria passou o ano sem nenhuma capacitação nova. Embora esse percentual tenha crescido em relação a 10 anos atrás, ainda está longe da meta (o PNE prevê 100% dos professores com formação continuada até 2024, meta não atingida). Isso resulta em práticas pedagógicas defasadas em sala de aula – pouca utilização de metodologias ativas, dificuldade em incorporar tecnologias e, muitas vezes, desconhecimento de ferramentas de apoio como inteligência artificial educacional. Além disso, a formação inicial dos professores (licenciaturas) raramente aborda competências do século XXI: cultura digital, pensamento computacional, aprendizagem centrada no aluno, etc. O docente, sobrecarregado e mal remunerado, ainda enfrenta condições precárias de trabalho que dificultam buscar qualificação por conta própria. Essa defasagem formativa se reflete diretamente no desinteresse dos alunos e na baixa qualidade percebida do ensino médio. Em suma, estamos tentando construir uma educação nova com ferramentas (competências) antigas – um descompasso que precisa ser corrigido urgentemente.

Formação contínua focada em IA e metodologias ativas

Precisamos transformar o professor em protagonista da inovação educacional, dando a ele os meios para evoluir profissionalmente. A proposta é implementar um amplo programa de formação docente continuada, acessível e escalável, com foco em tecnologia educacional (IA) e metodologias ativas. Isso pode ser feito de forma híbrida: oferta de cursos online modulares (curtos, práticos) somada a workshops presenciais locais. Temas prioritários: uso pedagógico de Inteligência Artificial (por ex., como usar chatbots/IA para planejar aulas, para personalizar atividades ou correção automatizada), aprendizagem baseada em projetos, sala de aula invertida, gamificação, competências socioemocionais, entre outros. Importante ressaltar que os professores querem essa modernização – pesquisa recente mostrou que 74,8% dos docentes enxergam a tecnologia e a IA como aliadas no ensino . Ou seja, há abertura para novas práticas, precisamos apenas ofertar a capacitação de forma atrativa (e reconhecida com certificação e progressão na carreira, incentivando a adesão). Além de cursos, criar comunidades de prática: redes em que professores compartilham experiências e materiais didáticos inovadores, estimulando a aprendizagem entre pares. Uma ideia de fazer mais com menos aqui é aproveitar plataformas já existentes – por exemplo, integrar a formação continuada nos Ambientes Virtuais de Aprendizagem que muitas redes adotaram, e usar conteúdo aberto de qualidade (materiais do MEC, UNESCO, universidades) em vez de reinventar tudo do zero. Também podemos envolver empresas de tecnologia educacional (Big Techs e startups) em programas de treinamento gratuitos sobre suas ferramentas, em parceria com secretarias de educação. O foco em IA e metodologias ativas garante que o professor se atualize nos tópicos de maior impacto imediato na sala de aula: com IA, ele ganha eficiência e dados para apoiar o ensino; com metodologias ativas, ele aumenta o engajamento e protagonismo do aluno. O professor mais bem formado torna-se um multiplicador – alunos mais interessados, melhor uso da infraestrutura (laboratórios, tablets, etc.) e até melhor adesão a políticas como as citadas (itinerários online, uso pedagógico do celular, etc.). Em síntese, investir no professor é catalisador de todas as outras mudanças.

Integrando Soluções – Um Ecossistema Educacional Colaborativo

Isoladamente, cada iniciativa proposta já traria melhorias pontuais. Mas o grande salto vem da integração delas em um ecossistema educacional que una forças do setor público, do empreendedorismo local e da tecnologia. A ideia é orquestrar um movimento conjunto de transformação: governo, escolas, empresas e comunidade atuando em sinergia. Como seria esse ecossistema na prática?

  • Setor público (União, estados e municípios) provê direção estratégica, financiamento inteligente e escala. Ex.: MEC e secretarias ajustam marcos legais para permitir inovações (uso de plataformas digitais, certificados híbridos, bolsa atrelada a curso técnico), realocam verbas de projetos pouco efetivos para as propostas de maior impacto e garantem que indicadores de sucesso sejam acompanhados (taxa de conclusão, empregabilidade, etc.). O poder público também pode liderar campanhas de sensibilização – explicando a pais, alunos e sociedade as mudanças e colhendo feedback contínuo.

  • Empreendedorismo local e setor privado entram com agilidade, conhecimento prático e recursos adicionais. Isso inclui startups de edtech oferecendo suas plataformas de itinerários formativos ou soluções de IA educacional às redes públicas; indústrias e comércios locais patrocinando polos de curso técnico que atendam suas demandas de mão de obra; institutos e fundações (terceiro setor) apoiando formação de professores e trazendo metodologias inovadoras testadas em projetos pilotos. Cada região pode formar conselhos locais de inovação na educação, reunindo diretores de escola, líderes comunitários e empresários para alinhar a oferta formativa às vocações econômicas locais. Por exemplo, em um polo agrícola, empreendedorismo local poderia auxiliar a implementar itinerários de agropecuária de forma online e prática, ou uma empresa de TI em parceria com a prefeitura pode montar um laboratório maker em troca de formar futuros programadores.

  • Tecnologia como integradora: As soluções tecnológicas são o tecido conectivo desse ecossistema. Plataformas digitais permitirão que uma boa ideia criada numa região possa ser usada nacionalmente (ex.: um itinerário online de educação financeira desenvolvido no Paraná pode atender alunos do Piauí). Ferramentas de gestão e análise de dados educacionais (business intelligence) dão aos gestores públicos e privados informações em tempo real sobre o que funciona ou não – permitindo rápidos ajustes de rota. Um portal único do ecossistema poderia agregar todos os recursos: aulas digitais, ofertas de cursos técnicos (com mapa de polos e vagas), comunidade de professores em formação, monitoramento de evasão e desempenho escolar, etc. Transparência e dados abertos favorecerão controle social e colaboração de universidades para estudar os impactos e propor melhorias contínuas.

Em essência, esse ecossistema quebra os silos tradicionais. A escola deixa de ser uma ilha isolada e passa a ser o nó de uma rede de inovação social. O setor público assegura equidade e escala; o setor privado aporta inovação e eficiência; a comunidade escolar enriquece as soluções com sua vivência e se beneficia dos resultados. Todos ganham: o estudante recebe educação de qualidade, contextualizada e com oportunidades reais; o empresário ganha futuros colaboradores mais preparados; o gestor público atinge metas educacionais e econômicas; a sociedade forma cidadãos mais capazes. Essa união de esforços é a única maneira de fazer mais (e melhor) com menos de forma sustentável, multiplicando impacto.

Chamada à Ação

A situação atual da educação brasileira exige coragem para mudar, colaboração para implementar e persistência para colher os frutos. As propostas aqui apresentadas formam um caminho integrado para reverter a negligência programada em que nosso ensino médio foi deixado. Não se trata de gastar fortunas, e sim de otimizar recursos, abandonar medidas paliativas e adotar estratégias inovadoras com foco no que realmente transforma: engajamento do aluno, relevância do ensino e valorização do professor. Decisores – secretários, gestores, investidores sociais – estão diante de uma oportunidade histórica de liderar essa virada. É hora de sair do discurso e partir para a ação.

O futuro não espera. Vamos transformar a educação agora. Cada dia conta na vida de milhões de jovens. Ao implementarmos essas medidas de “mais com menos”, acendemos a chama da esperança nas salas de aula, mostrando que é possível, sim, oferecer uma educação digna, conectada e inspiradora para todos. O desafio está lançado – que cada um dos atores desse ecossistema faça a sua parte. Se unirmos forças, em breve deixaremos de falar em crise ou negligência e passaremos a celebrar a renovação da educação brasileira. O futuro começa hoje – e será escrito pela educação que ousarmos fazer acontecer.