Educação do Século XVII para os Desafios do Século XXI? O Retrocesso da EJA e a Negação da Tecnologia na Formação de Jovens e Adultos
Helio Laranjeira
4/10/20253 min read


Vivemos em um país com mais de 220 milhões de habitantes, em que cerca de 70 milhões de brasileiros ainda enfrentam algum nível de analfabetismo funcional ou abandono escolar. É inadmissível, no século XXI, com inteligência artificial, 5G e plataformas educacionais acessíveis, que o Estado opte por limitar as possibilidades da Educação a Distância (EaD) na modalidade da Educação de Jovens e Adultos (EJA), justamente onde ela seria mais transformadora.
A nova Resolução CNE/CEB nº 3/2025, publicada no Diário Oficial da União, impõe que no Ensino Médio da EJA apenas 50% da carga horária possa ser realizada a distância, o que representa uma grave inflexibilidade operacional, sobretudo para o público-alvo da EJA: trabalhadores exaustos, mães solo, idosos e jovens que já enfrentam barreiras sociais, geográficas e financeiras.


A contradição histórica e o atraso institucional
Estamos falando de um modelo que se mostra preso ao século XVII, com sua exigência de presença física diária, como se estivéssemos educando elites ociosas e não trabalhadores da base da pirâmide social, que lutam para sobreviver, e não têm tempo – nem energia – para cumprir agendas rígidas. Como exigir frequência presencial diária de um adulto que trabalha em turnos alternados, que pega ônibus lotado, que cuida de filhos ou que vive em zonas rurais ou ribeirinhas?
A EaD, aplicada com responsabilidade e tecnologia de ponta, é a única via viável de escala e impacto social para alcançar milhões de brasileiros excluídos da educação formal. Reduzir essa ferramenta é desprezar os avanços da ciência, da pedagogia digital e da equidade.
Desconhecimento do público da EJA
Ao impor uma rigidez presencial, a resolução ignora o perfil real do estudante da EJA: são jovens e adultos que não concluíram seus estudos no tempo regular porque foram expulsos pela desigualdade estrutural, pela necessidade de trabalhar cedo ou pela falta de políticas públicas eficazes. Esse estudante precisa de flexibilidade, autonomia, e respeito à sua jornada. Não se trata de romantizar a EaD, mas de compreender que ela é uma resposta concreta à urgência educacional brasileira.
A falácia do “presencial a qualquer custo”
A resolução reforça um fetiche pelo “presencial” como se ele, por si só, garantisse qualidade. Mas a qualidade da aprendizagem está na mediação significativa, no uso de metodologias ativas, no respeito ao ritmo do aluno e no uso inteligente da tecnologia. Excluir ou limitar o digital é perpetuar o atraso.
Não se trata de abandonar o presencial, mas de fazer mais com menos, integrar modelos, promover blended learning e levar escolas para os dispositivos móveis. O problema da evasão escolar na EJA não se resolve com mais paredes e carteiras, mas com mais conexão, mobilidade, respeito à diversidade e aprendizagem contextualizada.
Uma oportunidade perdida de escala e inclusão
Em vez de abrir as portas da inovação, o Conselho Nacional de Educação perdeu a oportunidade de criar uma política pública de massa, com uso estratégico da EaD para acelerar a alfabetização e a conclusão do ensino básico para milhões de brasileiros. Em vez de construir uma política de escala e escopo, voltamos a pensar pequeno, local e presencial.
A resolução até menciona os povos tradicionais, os privados de liberdade e as pessoas com deficiência, mas impõe um modelo operacional que não conversa com esses públicos. Não adianta citar a diversidade se o modelo pedagógico imposto é excludente por natureza.


Um apelo à ciência e à justiça social
A pedagogia do século XXI já provou que é possível ensinar com qualidade fora da sala de aula. A neurociência comprova os benefícios da aprendizagem personalizada. A economia da educação mostra que é possível reduzir custos com EaD e alcançar regiões remotas. E a justiça social exige que o Estado não feche as portas para quem já viveu tantas exclusões.
Portanto, é hora de rever a Resolução. É preciso liberar a EaD integralmente para a EJA no Ensino Médio, com critérios de qualidade e avaliação rigorosa, sim, mas com inclusão, escalabilidade e respeito à dignidade dos estudantes. O Brasil precisa alfabetizar e certificar milhões. E isso só será possível com coragem, tecnologia e políticas públicas alinhadas com o tempo presente.
Se queremos um país mais justo, produtivo e educado, precisamos parar de ensinar como se estivéssemos em 1800. Precisamos de políticas públicas ousadas, capazes de transformar realidade com escala e propósito.
