Educação brasileira: A hipocrisia da virtude em números que não educam
Hélio Laranjeira
7/16/20253 min read


“Há algo de podre no reino das métricas. Quando os rankings falam mais alto que a realidade da sala de aula, é sinal de que não estamos ensinando — apenas medindo o fracasso.”
Nos últimos dias, uma comparação entre o PIB dos estados brasileiros, o IDEB do Ensino Médio e a presença de colégios de alta performance no ENEM 2024 circulou nas redes sociais como uma tentativa de ilustrar o fracasso da correlação direta entre riqueza econômica e qualidade educacional.
De fato, os números são gritantes: São Paulo, maior PIB do Brasil, aparece apenas em quarto lugar no IDEB e após seis estados em relação aos colégios mais bem ranqueados no ENEM. Enquanto isso, o Ceará, um estado com indicadores econômicos muito inferiores, lidera o ranking dos colégios com melhor desempenho.
Essa discrepância nos obriga a refletir sobre o que de fato explica a qualidade educacional, e mais importante ainda: o que não explica.
PIB não é sinônimo de boa educação
Essa é a primeira falácia que precisa cair. Riqueza econômica não garante resultados educacionais automáticos, como revelam os dados. O Paraná, que ocupa apenas a quarta posição no PIB, aparece em primeiro lugar no IDEB do Ensino Médio. O Goiás, com nono PIB, é o segundo em desempenho educacional.
Essa inversão da lógica econômica revela uma verdade desconfortável: dinheiro mal gerido ou mal investido em educação gera estatística, não aprendizagem.
O Brasil tem uma das maiores cargas tributárias do mundo e, paradoxalmente, figura entre os piores resultados do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) — com desempenho abaixo da média mundial em matemática, leitura e ciências.
IDEB e ENEM: métrica ou maquiagem?
É necessário reconhecer: o IDEB é um indicador importante, mas limitado. Criado para medir rendimento e aprovação com base em testes padronizados, ele não capta a essência da aprendizagem crítica, da formação cidadã ou da inclusão social.
Já o ENEM, embora seja um exame mais abrangente, serve muito mais como instrumento de triagem para o ensino superior do que como indicador real da qualidade da educação básica.
Focar nesses números como se fossem representações fiéis do sucesso educacional é cometer o que podemos chamar de “hipocrisia da virtude”: parecer que está tudo bem porque subimos dois pontos em um ranking, enquanto milhares de alunos continuam sem ler com fluência, sem compreender textos básicos, sem perspectiva de vida ou carreira.
A pergunta que deveríamos estar fazendo:
Por que o Brasil, sendo a 9ª maior economia do mundo, tem uma das piores educações básicas da América Latina?
A resposta está muito além do PIB ou do IDEB. Ela passa por:
Gestão pública ineficaz e fragmentada
Falta de formação continuada e valorização real do professor
Ausência de políticas públicas perenes, que sobrevivam a trocas de governo
Tecnofobia institucional — o Brasil continua proibindo ou limitando o uso de tecnologia em sala de aula, enquanto países desenvolvidos integram IA, metacognição e ensino híbrido como práticas comuns
O que podemos (e devemos) fazer?
Em vez de repetir o erro de comparar PIB com IDEB como se fossem métricas isoladas e definitivas, é hora de pensar em soluções sistêmicas, integradas e disruptivas. Algumas sugestões concretas:
1. Educação conectada com o século XXI
Integração real de plataformas digitais, inteligência artificial e experiências híbridas no processo educacional.
Valorização do pensamento crítico, das competências socioemocionais e da resolução de problemas.
2. Descentralização com responsabilidade
Fortalecer o regime de colaboração entre União, estados e municípios, criando indicadores de aprendizagem regionais baseados em arranjos produtivos locais.
Permitir que a iniciativa privada entre como parceira estratégica e não adversária da educação pública, como foi feito com sucesso no ensino superior EAD.
3. Verticalização da formação técnica
Transformar escolas de ensino médio em escolas técnicas completas, com itinerários formativos voltados para empregabilidade.
Criar um FIES técnico, permitindo que jovens de baixa renda acessem formação com foco em geração de renda.
4. Cultura de resultados, não de rankings
Substituir o foco em testes e índices por modelos de aprendizagem significativa e formação por competências.
Avaliar redes de ensino com base na evolução real dos alunos, e não apenas na posição que ocupam em um ranking.
Conclusão: menos ranking, mais transformação
O Brasil não precisa de medalhas simbólicas em rankings que não refletem a realidade da sala de aula. Precisa de uma revolução silenciosa, mas profunda — que comece valorizando o que importa: o estudante, o professor e o saber como instrumento de liberdade.
Enquanto comemorarmos posições no IDEB e no ENEM sem olhar para o abismo do PISA, continuaremos sendo campeões da hipocrisia da virtude educacional.
E como diz o velho ditado: ranking não educa, quem educa é o propósito, a prática e a política pública com coragem.
