Diretrizes sem direções não funcionam

Hélio Laranjeira

10/14/20253 min read

O Brasil é um país que produz boas leis — e péssimas execuções.

As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Profissional e Tecnológica (DCNs da EPT) são um retrato fiel dessa contradição.

Textos sofisticados, inspirados nos melhores modelos internacionais, mas que raramente chegam ao chão da escola — ao laboratório, à oficina, à vida real.

Há nelas uma promessa bonita:

colocar o estudante no centro,

fazer do trabalho um princípio educativo,

e transformar a aprendizagem ao longo da vida em realidade.

Mas falta algo essencial: a direção.

Temos diretrizes.

Mas não temos direções.

E diretrizes sem direções… não funcionam.

Entre o discurso e a prática

As DCNs da EPT prometem muito:

formação integral, integração entre ciência, tecnologia, cultura e trabalho;

aprendizagem por competências; itinerários flexíveis; inclusão e cidadania.

Mas o que se vê é o contrário.

Em vez de integração, fragmentação.

Em vez de flexibilidade, rigidez.

Em vez de reconhecimento de saberes, punição à experiência.

E em vez de aprendizagem ao longo da vida, um modelo escolar uniforme, que exige o mesmo formato para todos.

O resultado?

Uma educação profissional que fala o idioma do futuro, mas ainda opera com as ferramentas do passado.

O paradoxo da formação e da execução

As diretrizes falam de competências,

mas os professores ainda são formados por disciplinas.

Cobra-se práticas ativas,

mas não se oferece formação prática.

Fala-se em regime de colaboração,

mas o que se tem é redundância e retrabalho.

Cada Estado cria seu próprio processo,

como se a União não tivesse o papel de coordenar.

E quando olhamos para os territórios,

vemos escolas técnicas desconectadas dos Arranjos Produtivos Locais (APLs).

O aluno aprende, mas não se insere.

O sistema ensina, mas não emprega.

A verdade é simples:

o Brasil mede planilhas; outros países medem resultados.

Aqui, o sucesso é número de matrículas;

lá fora, é inserção produtiva, renda e dignidade.

Lições do mundo

Na Coreia do Sul, o National Competency Standards define o que cada profissão precisa saber e fazer.

Tudo — do currículo ao exame — é guiado por competências.

E a formação é dual: empresa e escola aprendem juntas.

Na Alemanha, o sistema dual tem força de lei.

A Lei Federal de Formação Profissional é garantida por Câmaras de Indústria e Comércio que registram contratos, avaliam empresas e aplicam exames.

Governança territorial com poder real.

Na União Europeia, qualidade e interoperabilidade são prioridade.

O EQAVET define o ciclo de qualidade: planejar, executar, verificar e agir.

E o EQF permite que títulos e microcredenciais circulem entre países.

Na China, a nova Lei de Educação Profissional (2022) integra Estado, indústria e educação — com incentivos regionais e certificações múltiplas.

O que falta ao Brasil

  • Regime Nacional de Colaboração da EPT: Um país continental não pode ter 27 interpretações diferentes da mesma política. O CNE precisa coordenar fluxos, responsabilidades e interoperabilidade entre sistemas.

  • Conselhos Locais de Educação e Trabalho (CLETs): Inspirados nas câmaras alemãs, devem registrar contratos, certificar empresas formadoras e articular demandas dos APLs.

  • Sistema Nacional de Reconhecimento e Certificação de Saberes: Reconhecer aprendizagens formais, não formais e informais. Transformar saber empírico em diploma, e experiência em oportunidade.

  • Atualizar o CNCT e criar o CNCP – Catálogo Nacional de Competências Profissionais: Seguindo o modelo coreano, padronizar o que se aprende e se avalia em cada profissão, com módulos regionais flexíveis.

  • Transformar o SINAEPT no EQAVET brasileiro: Avaliar não apenas conclusão de curso, mas inserção produtiva. Avaliar resultado, não apenas rotina.

  • Financiar o que gera resultado: Incentivos fiscais e fundos vinculados à empregabilidade — como faz a Coreia. Educação profissional precisa gerar retorno mensurável e impacto social.

De diretrizes a direções

Diretrizes são como mapas sem bússola.

Mostram o território, mas não indicam o caminho.

O Brasil precisa transformar suas normas em direções executáveis,

com metas, métricas e instrumentos reais.

A Educação Profissional e Tecnológica é mais do que ensino técnico —

é política de desenvolvimento nacional.

E desenvolvimento não se decreta.

Se constrói — com propósito, coordenação e prática.

As diretrizes são o verbo.

As direções são o movimento.

Enquanto as primeiras descrevem intenções,

as segundas produzem resultados.

É hora de o Brasil sair da retórica e entrar na execução.

De transformar recomendações em rotas,

princípios em programas,

metas em realidades.

Sem isso, continuaremos sendo o país que fala de competências,

mas não as aplica.

Que valoriza o trabalho,

mas não o integra à educação.

Que escreve diretrizes,

mas não constrói direções.