Deus no comando, mas o volante é seu: Uma crítica necessária ao uso irresponsável da fé

Hélio Laranjeira

12/11/20253 min read

Todos os dias ouvimos frases como “Entrega na mão de Deus!”, “Deus sabe o que faz!”, “No tempo de Deus tudo se resolve!”. São bonitas, confortáveis, melodiosas até. Dão aquela sensação gostosa de paz, como quem senta no sofá depois de um dia exausto e pensa: “Pronto, agora não preciso fazer mais nada.”

Pois é. Aí começa o problema.

Porque, convenhamos, algumas pessoas transformaram a fé em uma espécie de “Netflix espiritual”: clicam em play, deixam Deus rodando a vida, e acreditam que no final tudo ficará bem, mesmo que elas não tenham movido um único músculo para participar do enredo.

Sim, entregar a Deus é uma declaração de fé, e fé é virtude nobre. Mas fé também se deforma quando vira muleta emocional. Quando a pessoa “entrega nas mãos do Altíssimo” o que era… adivinhe? Responsabilidade dela.

E aqui precisamos dizer em bom tom — e, se possível, com um pouco de ironia para ver se acorda quem ainda dorme —:

Deus não é secretário particular, não é babá cósmica, nem solucionador de preguiça.

O Criador nos deu algo que não deu a nenhuma outra criatura na Terra:

livre-arbítrio.

A capacidade gloriosa — e às vezes trágica — de decidir, agir, aprender, falhar, melhorar, crescer, cair e levantar.

E esse presente não veio com nota fiscal, mas veio com manual de uso implícito:

Use com responsabilidade.

Porque é muito bonito dizer “Deus está no controle”, mas perigoso quando isso serve para justificar a própria inércia. E isso precisa, sim, ser criticado — com amor, mas com verdade.

A verdade que ninguém gosta de ouvir

Quando você transfere para Deus tudo aquilo que é sua parte, você não está expressando fé — está terceirizando dever.

Você pode até achar que está fazendo uma oração profunda, mas, na prática, está fazendo uma manobra de fuga.

É a velha história do agricultor que ora por uma boa colheita mas esquece de… plantar.

Ou do marinheiro que pede ventos favoráveis mas não aprende a usar o leme.

Ou do estudante que ora por boas notas, mas quem revisa o material é Deus — ele mesmo, não.

Fé não dispensa esforço. Esforço não dispensa fé.

Mas o equilíbrio entre ambos exige vigilância, porque a linha entre entrega e acomodação é fina — quase invisível.

A espiritualidade como gatilho — não como desculpa

A espiritualidade é um gatilho poderoso: move, inspira, fortifica. Mas ela não substitui estratégia, disciplina, escolhas conscientes, e muito menos responsabilidade pessoal.

Quer ter propósito?

Então vai precisar fazer perguntas desconfortáveis como:

  • “O que é minha parte?”

  • “O que estou procrastinando em nome de Deus?”

  • “Em que ponto a fé virou justificativa do meu medo?”

  • “A minha entrega é espiritual ou é fuga?”

Na prática, a vida exige operação. A vida exige rota. A vida exige navegação.

O vento pode vir de Deus — mas abrir as velas é trabalho seu.

REFLEXÃO MOTIVACIONAL (LONGA)

“Entre o Céu e as Suas Mãos”

Todos os dias somos convidados a evoluir — não porque a vida exige perfeição, mas porque ela é generosa o suficiente para sempre oferecer uma nova chance. Deus nos acompanha, guia, inspira. Mas o caminho, quem percorre somos nós.

Há momentos em que tudo foge do controle, e é aí que o coração busca repouso em Deus. Ele vê o que não vemos, alcança onde não alcançamos, sustenta onde não suportamos. Mas não podemos esquecer que Ele também nos presenteou com capacidade, inteligência, sensibilidade, raciocínio e força. A fé é o norte, mas o passo é humano.

Evoluir não é esperar que Deus faça no nosso lugar — é permitir que Ele ilumine o que nós faremos.

É caminhar confiando.

É agir acreditando.

É aprender, mesmo quando dói.

É aceitar que parte do caminho é dEle — mas grande parte é nosso.

Que você aprenda a entregar nas mãos de Deus aquilo que realmente não pode controlar, mas nunca entregue o que Ele colocou sob sua responsabilidade.

Que você entenda que o vento vem do Alto, mas as velas são suas.

Que você reconheça que o futuro é divino, mas o trajeto é humano.

ORAÇÃO: “Senhor, Ensina-me a Fazer a Minha Parte”

Senhor,

Eu Te agradeço pela vida, pelo sopro que me sustenta e por cada oportunidade de recomeço.

Obrigado por cuidar do que está além de mim, mas também por confiar em mim aquilo que preciso aprender.

Ensina-me, Pai, a distinguir o que devo entregar nas Tuas mãos

do que devo realizar com as minhas.

Que eu não use a fé como fuga,

mas como força.

Que eu não transforme a entrega em acomodação,

mas em coragem.

Ilumina minhas escolhas,

fortalece minha responsabilidade,

guia meus passos e revela meu propósito.

Que eu saiba navegar quando o vento soprar,

que eu saiba plantar mesmo em tempos de seca,

e que eu nunca me esqueça

de que o maior presente que me deste foi o livre-arbítrio:

a capacidade de crescer, decidir, aprender e transformar.

Amém.